terça-feira, 26 de janeiro de 2010

OS NOVOS POBRES

A crise quando chega toca a todos, e eu já não sei se hei-de ter pena dos milhares de homens e mulheres que, por esse país, fora, todos os dias ficam sem emprego se dos infelizes gestores do BCP que, por iniciativa de alguns accionistas, poderão vir a ter o seu ganha-pão drasticamente reduzido em 50%, ou mesmo a ver extintos os por assim dizer postos de trabalho.
A triste notícia vem no DN: o presidente do Conselho Geral e de Supervisão daquele banco arrisca-se a deixar de cobrar 90 000 euros por cada reunião a que se digna estar presente e passar a receber só 45 000; por sua vez, o vice-presidente, que ganha 290 000 anuais, poderá ter que contentar-se com 145 000; e os nove vogais verão o seu salário de miséria (150 000 euros, fora as alcavalas) reduzido a 25% do do presidente. Ou seja, o BCP prepara-se para gerar 11 novos pobres, atirando ainda para o desemprego com um número indeterminado de membros do seu distinto Conselho Superior. Aconselha a prudência que o Banco Alimentar contra a Fome comece a reforçar os "stocks" de caviar e Veuve Clicquot, pois esta gente está habituada a comer bem.

Manuel Pina

Seres decentes

Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si.

O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber. Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira. O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor. Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros. Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro. Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados. As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social. Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!» O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta, de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos. “A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora”. Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros. “Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”. O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética. Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos – condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.

Crónica de Fernando Dacosta (in Tempo Livre OUT 2008)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A pressão das reformas

Em 2009, a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações (que paga as reformas dos funcionários públicos) gastaram mais 1,1 mil milhões de euros com o pagamento de pensões de aposentação aos portugueses face a 2008.


Num ano em que o País ficou mais pobre, o esforço para pagamento de reformas aumentou a um ritmo superior a 3 milhões de euros por dia. A tendência é de aumento da despesa nos próximos anos, graças ao envelhecimento da população e ao facto de a Segurança Social servir de almofada na crise e muitas pessoas com descontos suficientes entrarem na reforma antecipada, apesar das penalizações, para fugir a uma situação de desemprego.

O agravamento das despesas da reforma e os compromissos assumidos pelo Estado – quer directamente com os seus funcionários quer indirectamente, através da Segurança Social – são uma dívida para o futuro que aumentará a pressão sobre as suas frágeis contas. Por isso, não há alternativas ao esforço de equilíbrio das contas públicas, porque, a continuarem os défices excessivos nos próximos anos, a dívida pública chegará a 120% do PIB em 2013. Com os juros tendencialmente mais elevados e um prémio de risco para Portugal mais caro, o Estado arrisca-se em poucos anos a não ter dinheiro para honrar todos os seus compromissos.

Armando Esteves Pereira, Director-Adjunto in CM de 22/1/2010
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Esta notícia merece um comentário. A forma como se apresenta dá a ideia que os reformados (sobretudo os da Administração Pública, que passaram a esta condição legalmente, ainda que com penalizações) são um peso para a sociedade. Todos eles, no entanto, trabalharam dezenas de anos (mais de trinta, na esmagadora maioria dos casos) e fizeram os descontos que lhes impuseram no início da carreira. Muitas das regras foram alteradas nestes últimos anos e os aposentados sofreram na pele as consequências dessas alterações, que em nada os beneficiaram. Muitos viram defraudadas as expectativas de se reformarem com menos de sessenta e cinco anos e, portanto, ainda a tempo de fazerem alguma coisa que o horário de trabalho os impedia de fazerem. Viajar, dedicar mais tempo à família, a actividades de índole cultural, etc. Para muitos a falta de estímulo que se instalou entre os funcionários públicos, com o aparecimento de pequenos poderes que se foram instalando e destruindo o clima de incentivo à prossecução dos objectivos que cada um tinha em vista. transformou-se na avidez pela saída do sistema fosse a que preço fosse. Preocupados com o rumo dos acontecimentos, mas sem capacidade para aguentar injustiças evidentes que foram surgindo. Promoções congeladas, avaliações sujeitas a "numerus clausus", enfim um sem número de atitudes desgastantes para quem "deu o litro" ao logo de décadas. Causa surpresa tantos pedidos de reforma? Só a quem for inocente.
As reformas são para muitos douradas. É um número razoável que tem de reforma valores consideráveis. Os que se dedicaram à política estão como querem. Reformas acumuladas com outros poleiros. Eram estes casos que deveriam ser referidos até à exaustão nas páginas dos jornais. Mas não, as causas de todos males são as reformas todas, incluindo as mínimas, que atiram Portugal para o caos. O saque e a delapidação do património passa quase incólume e quando é badalado é por pouco tempo. Percebo porquê.

Aluguer de contadores de Água, luz e gás acaba dia 26 Maio

Os consumidores vão deixar de pagar os alugueres de contadores de água, luz ou gás a partir de 26 de Maio próximo. Nesta data entra também em vigor a proibição de cobrança bimestral ou trimestral destes serviços, segundo um diploma que foi ontem publicado na edição do Diário da República.
A factura de todos aqueles serviços públicos vai ser obrigatoriamente enviada mensalmente, evitando o acumular de dois ou três meses de facturação, indica a Lei 12/2008, ontem publicada no boletim oficial e que altera um diploma de 1996 sobre os 'serviços públicos essenciais'.
A nova legislação passa a considerar o telefone fixo também como um serviço essencial e inclui igualmente nesta figura as comunicações móveis e via Internet, além do gás natural, serviços postais, gestão do lixo doméstico e recolha e tratamento dos esgotos. O diploma põe fim à cobrança pelo aluguer dos contadores feita pelas empresas que fazem o abastecimento de água, gás e electricidade.
Também o prazo para a suspensão do fornecimento destes serviços, por falta de pagamento, passa a ser de dez dias após esse incumprimento , mais dois dias do que estava previsto no actual regime. Outra mudança importante é o facto de o diploma abranger igualmente os prestadores privados daqueles serviços, classificando-os como serviço público, independentemente da natureza jurídica da entidade que o presta. Numa reacção à publicação do diploma em causa, 'a Deco congratula-se com estas alterações, há muito reivindicadas', afirmou à agência Lusa Luís Pisco, jurista da associação de defesa do consumidor.
O diploma ontem publicado, para entrar em vigor a 26 de Maio, proíbe também a cobrança aos utentes de qualquer valor pela amortização ou inspecção periódica dos contadores, ou de 'qualquer outra taxa de efeito equivalente'.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Os desacordos do acordo

A política e o sindicalismo ajoelharam perante o altar do comércio dos interesses pequenos e imediatos. É deprimente. O acordo a que o Governo chegou com alguns sindicatos deu lugar a um coro de regozijo pela "pacificação das escolas". Assim falaram governantes, alguns parlamentares, jornalistas, colunistas e sindicalistas. E se tirassem uma semana sabática e fossem às escolas? Veriam a revolta e a estupefacção dos que, respondendo aos apelos dos sindicatos, não entregaram objectivos individuais, não pediram aulas assistidas nem se candidataram às menções de "muito bom" e "excelente" e por isso ficaram para trás. Veriam discórdia a cada canto, desconfiança crescente, raiva pelas injustiças não sanadas e pelo oportunismo premiado, cansaço acumulado, competição malsã nascente, desilusão e desmotivação generalizadas. Chamam a isto pacificação?
Quem ignore os antecedentes do conflito entre os professores e o Governo e leia o acordo conclui que as razões da discórdia se circunscreviam a carreira e salários. E não circunscreviam. Os professores reclamaram contra a degradação do ensino e defenderam a autoridade, a dignidade e a independência intelectual indispensáveis ao exercício sério da sua profissão. Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues instilaram na sociedade uma inveja social contra os professores. Este acordo oferece argumentos a quem queira, maliciosamente, fomentá-la.
Nos extremos das 14 horas de clausura na 5 de Outubro estão dois textos. Um, de partida, anteriormente rejeitado; outro, de chegada, agora celebrado. Li e comparei os dois. Para lá das loas, os factos são estes: ao bom jeito dos burocratas de serviço, foi o preâmbulo o pedaço mais alterado; clarificou-se, a meu ver de forma redundante, que a educação especial fica inclusa nas cláusulas do acordo; os sindicatos subscreveram o atestado de menoridade às instituições de ensino superior, que a prova de ingresso titula, a troco de meia dúzia de indigentes dispensas; a conseguida eleição de três membros para a Comissão de Coordenação da Avaliação (de entre um
grupo que o director nomeia), a promessa de que o ministério promoverá acções de formação concretas (que despreza miseravelmente o direito daqueles que prefeririam acções de formação abstractas) e a nomeação de um representante da direcção regional respectiva para apreciar eventuais recursos de classificação (estou mesmo a ver como o Senhor se vai empenhar na defesa do súbdito) emprestam algum humor ao conservadorismo da coisa; a possibilidade de renúncia a tarefas, por parte dos possuidores de especialização funcional, e a alusão à tendencial formação especializada do relator serviram para disfarçar que mais de três quartos das contrapropostas da Fenprof não foram aceites e para encher a coluna das mudanças, num cenário de quase tudo ficar na mesma (o toque erudito do acordo é-lhe conferido pelo espírito de Falconeri, que lhe subjaz); e o resto é uma complicada teia contabilística de índices, vagas e quotas, que parte significativa dos professores irá descobrindo com esgares amarelos (o cromatismo clássico não se aplica à complexidade desta caldeirada rosa, laranja e vermelha).
A iniquidade, a mediocridade técnica, a burocracia insustentável e a consequente inaplicabilidade de um modelo de classificação do desempenho (é de classificação e não de avaliação que se trata) foram publicamente patentes ao longo de três anos de conflito. Estipula o acordo, já apodado como o mais importante dos últimos 20 anos, pasme-se, mudanças substanciais? Não! Mas o mais pernicioso está agora aceite. Cairá essa excrescência artificial que dividia em duas uma carreira que, pela sua própria natureza, só pode ser única. Mas foram ampliados os estrangulamentos que dela derivavam. A prova de ingresso, classificada sempre (antes e após o acordo, volte-se a pasmar) como algo sem sentido, foi igualmente aceite, repito. E as quotas, que ontem impediam categoricamente qualquer entendimento, foram engolidas sem indigestão. Os professores mais ousados, os que mais se expuseram pessoalmente para defender o que todos reclamavam, foram abandonados, feridos, no campo de batalha. A sua generosidade e o seu exemplo determinantes foram irrelevantes no cotejo com o pragmatismo, que não conhece moral nem ética. Os ciclos de dois anos e as mesmíssimas dimensões da classificação garantem a eternização de uma burocracia impraticável. Um terço dos professores jamais chegará ao topo (não invoquem probabilidades teóricas; por elas eu também posso ganhar o Nobel da paz). A progressão é agora claramente mais lenta que em 2006 e nenhuma simulação teórica o disfarça. A política e o sindicalismo ajoelharam perante o altar do comércio dos interesses pequenos e imediatos. É deprimente como saldo!
Duas notas finais e três perguntas:
O Governo reconheceu, no texto do acordo, que o estatuto e a avaliação em análise desqualificaram a escola pública, são entraves ao cumprimento da missão da escola e remetem para segundo plano o trabalho com os alunos (se lerem com atenção, verão que está lá). Não é espantoso que, dito isto, os acordantes prossigam no mesmo caminho? Ou ensandeceram?
Mais coisa, menos coisa, dos resultados até agora conhecidos, teremos 700 professores "excelentes", 18.000 "muito bons", 78.000 "bons" e "300" regulares. Foi por isto que se destruiu a harmonia nas escolas e se vilipendiaram os professores?

Santana Castilho

(Professor do ensino superior) - in Público

O Palhaço

O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.
O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.
Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.
O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.
E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço.
Mário Crespo, in JN 14/12/2009